Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 42/2019, de 28 de março, o regime da cessão de créditos em massa será simplificado, passando a ser possível aos bancos ceder carteiras de créditos por documento particular, independentemente do consentimento do devedor. Dir-se-á que a cessão ocorre independentemente do consentimento, da qualidade do devedor e do tipo de crédito objeto de cessão.
Lê-se no preâmbulo do diploma que “A agilização do mercado no que toca à transação de carteiras de crédito contribui significativamente para a melhoria das condições de financiamento das empresas e para a redução dos níveis de créditos não produtivos”.
A cessão de créditos não é nova para os consumidores. Nos últimos anos os consumidores têm visto os seus créditos serem cedidos a terceiros, muitas vezes a entidades fora do sistema bancário. A cessão é uma figura que já existia na lei portuguesa, mas que exigia a formalização por contrato, passa agora a beneficiar de um regime simplificado quando se trate de créditos em massa (conjunto superior a 50 créditos em carteira com o valor mínimo de 50 mil euros).
Cessão de crédito
De acordo com o no artigo 577º do Código Civil “O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor.”
Ou seja, a cessão só não poderá ser realizada se existir uma norma legal que expressamente proíba a cessão ou o crédito não seja por sua natureza inerente à pessoa do respetivo titular. Assim , não podem ser cedidos os créditos com caráter estritamente pessoal, como por exemplo, o direito a alimentos.
Formalidades
Com a alteração agora introduzida além de se dispensar a cessão de créditos em massa de formalidades até agora exigidas, o diploma facilita ainda o registo das respetivas garantias, designadamente as hipotecas.
Atendendo à importância que esta situação tem vindo a assumir junto dos consumidores, nomeadamente no que concerne ao crédito hipotecário deveria ter sido reforçado o direito à informação do consumidor e atender a algumas especificidades previstas na lei.
O Decreto-Lei n.º 227/2012
De entre estas especificidades destacam-se os princípios e regras previstos no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, que devem ser observadas pelas Instituições de Crédito no acompanhamento e gestão de situações de risco de incumprimento e na regularização extrajudicial das situações de incumprimento.
Prevê-se no artº 18º que “1 – No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.” Mas, de acordo com o mesmo preceito legal “ instituição de crédito pode: b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito.”
Neste caso, a “instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual.”
A questão que se coloca desde logo é a de a entidade cessionária não ser uma instituição de crédito e as incertezas que esta situação é suscetível de gerar para o consumidor.
O Decreto Lei nº 74-A/2017
Por outro lado, o Decreto Lei nº 74-A/2017, de 23 de junho, prevê que “O consumidor tem direito à retoma do contrato no prazo para a oposição à execução relativa a créditos à habitação abrangidos pelo presente decreto-lei ou até à venda executiva do imóvel sobre o qual incide a hipoteca, caso não tenha havido lugar a reclamação de créditos por outros credores, e desde que se verifique o pagamento das prestações vencidas e não pagas, bem como os juros de mora e as despesas em que o mutuante tenha incorrido, quando documentalmente justificadas.
2 – Caso o consumidor exerça o direito à retoma do contrato, considera-se sem efeito a sua resolução, mantendo-se o contrato de crédito em vigor nos exatos termos e condições iniciais, com eventuais alterações, não se verificando qualquer novação do contrato ou das garantias que asseguram o seu cumprimento”.
Isto significa que a contrato de crédito é reposto em vigor nos exatos termos e condições iniciais, a dúvida que se coloca é a de saber se o cessionário não for uma instituição de crédito como serão acautelados os direitos do consumidor em sede de crédito à habitação.
Face ao exposto parece-nos importante que o regime da cessão de créditos seja mais limitativo e melhor regulado, nomeadamente no que concerne ao direito à informação por parte do devedor consumidor.
Importa, também, impor limites às entidades a que se permite efetuar a cessão de crédito sendo certo que nos parece fundamental assegurar que a prática da gestão dos créditos cedidos seja efetuada de forma transparente.